O colapso no sistema de saúde do Paraná pressiona o governador Ratinho Junior a tomar medidas mais restritivas no Estado. Às 05 horas de quarta-feira (17) termina a validade do decreto atualmente em vigor, que é uma versão afrouxada das restrições impostas no fim de fevereiro.
Na segunda-feira (15), a taxa de ocupação das UTIs para adultos no tratamento da Covid-19 estava em 96%, restando 60 dos 1.618 existentes, conforme a Secretaria de Estado da Saúde (Sesa). A fila de espera por leitos era de 1.320 pessoas, sendo 612 aguardando vagas em UTIs.
Decretar restrições tão ou mais rígidas que as adotadas em Curitiba é medida que se impõe para reduzir a circulação de pessoas e frear o contágio do vírus, na avaliação do presidente da Comissão de Enfrentamento e Prevenção à Covid-19 da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Emanuel Maltempi de Souza.
Na Capital, a prefeitura endureceu as restrições na sexta-feira (12), com validade de nove dias. O município considerou um “lockdown”. Entre as medidas, a indústria e serviços não essenciais foram proibidos de funcionar e houve suspensão das aulas presenciais nas redes pública e privada.
“Neste momento, nosso sistema de saúde não tem mais para onde expandir, não tem mais o que fazer. Ou fecha para bloquear a transmissão ou vamos viver a verdadeira calamidade”, afirmou o especialista.
Segundo o professor, há projeções – como da Universidade de Washington (EUA) – que indicam que a necessidade de hospitalização continuará em crescimento no Paraná até por volta de 25 de março. Ou seja, para ele, o Estado não chegou ao pico de internações.
“Posso achar que por volta de 100 a 120 mortes por Covid por dia é muito alto. Talvez outra pessoa não ache. É um ponto de vista. A exaustão do sistema de saúde é um fato, uma realidade que não dá pra fugir”, avalia Souza.
Outro ponto destacado pelo professor da UFPR, que atua no Departamento de Bioquímica e Biologia Molecular, é o tempo de duração das medidas. Exemplos de outros países mostram a importância da adoção de restrições mais rígidas para além de uma ou duas semanas.
“Tudo depende aonde se quer chegar. Para uma situação segura, essas medidas têm que durar bem mais tempo. Para voltar à situação que tínhamos em outubro do ano passado, quando eram cerca de 10 casos por dia a cada 100 mil habitantes, talvez um mês seja suficiente”, expõe.
A decisão de Ratinho Junior sobre o decreto deve ser tomada nesta terça-feira (16). As medidas ainda estavam em discussão na segunda. Durante a tarde, o governo estadual apoiou em nota oficial a adoção de medidas mais restritivas por prefeitos da Região Metropolitana de Curitiba.
O comunicado diz que foram abertos mais de quatro mil leitos e que há “grande esforço para ampliar o que for possível”. A nota afirma que a abertura de leitos não é álibi para que a população deixe de tomar os cuidados. O posicionamento também cobrou o envio de mais vacinas pelo Ministério da Saúde.
Sem alternativas
A infectologista Sonia Raboni, que trabalha no Hospital de Clínicas (HC), em Curitiba, afirma que não há outra alternativa que não as medidas mais rígidas, a exemplo da Capital. “Outras alternativas seriam vacinar em massa ou abrir número infinito de leitos, que também não temos”, diz.
Segundo ela, que coordenou a pesquisa da CoronaVac no HC, é preciso que as restrições sejam respeitadas e fiscalizadas, independentemente de quais forem.
“As medidas só terão efeito se cumpridas por todos. Até o momento, [as mais recentes] não tiveram impacto. Ainda estamos com demanda imensa de pacientes”, afirma.
Oposição defende “lockdown”
O líder da oposição na Assembleia Legislativa do Paraná (Alep), Professor Lemos (PT), diz que há consenso entre os deputados do bloco de que restrições como as decretadas em Curitiba precisam ser estendidas para todas as regiões Estado – apesar da autonomia dos municípios.
“O sistema de saúde está colapsado e a gente tem que agir. Do contrário, vamos repetir o que aconteceu no Amazonas”, indica.
O deputado criticou a flexibilização das medidas do governo estadual desde quarta-feira (10). Lemos também cobrou a busca por vacinas.
“Paraná está muito atrasado com a vacina. Estamos vendo governadores correndo atrás e o nosso não está vendo. Ele acabou se dando ao luxo de romper aquele convênio pela Sputinik”, aponta. Na noite de segunda, o estado era o 13º em proporção da população vacinada.
Em nota, o deputado Hussein Bakri (PSD), líder do governo na Alep, afirmou que a Sesa analisa diariamente o cenário da pandemia e que o governador e a equipe “vão analisar tudo que está posto para tomar a melhor decisão”.
Colapso na saúde
O Paraná completou na segunda 25 dias com a taxa de ocupação de UTIs acima de 90%. No sábado (14), a ocupação atingiu 98% dos leitos. O Estado vive em março deste ano o pior momento da pandemia em todos os indicadores até então.
Na sexta (12), ao completar um ano desde os primeiros diagnósticos, a média de novos casos estava acima de cinco mil, com cerca de 100 pessoas morrendo todos os dias por Covid-19. Porém, os maiores recordes estão nos dados de pacientes internados.
Em 1º de março, o Paraná tinha 1.365 leitos de UTI para adultos no Sistema Único de Saúde (SUS). A ocupação era de 92%, com 108 leitos livres. Quinze dias depois, os leitos foram ampliados para 1.618, mas a ocupação se manteve alta: 96%, com 60 disponíveis.
Além da superlotação, a Sesa informou na noite de segunda que o estoque de bloqueadores musculares, usados no processo de intubação dos pacientes, duraria por até quinta-feira (18). Já o de sedativos e analgésicos era suficiente para mais oito dias (até 23 de março).
Isolamento e medidas
Em 26 de fevereiro, quando o Estado atingiu o menor índice de isolamento desde o início da pandemia, com 28,2%, o governador determinou o fechamento dos serviços não essenciais no estado e ampliou o toque de recolher, que passou a valer entre as 20h e as 5h.
A medida tinha validade até 8 de março, mas foi prorrogada até a manhã do dia 10. Depois dessa data, outro decreto de Ratinho Junior flexibilizou as medidas. Essas valem até as 05h desta quarta (17).
Ele liberou atividades não essenciais e autorizou a retomada das aulas em sistema híbrido. Na rede pública, que tinha previsão para tornar na segunda, houve suspensão da autorização na sexta.
Durante a vigência do primeiro decreto, o índice de isolamento social no estado esteve entre 34% e 35% no Paraná, de 1º a 4 de março, de acordo com o monitoramento feito com dados de geolocalização pela empresa In Loco. Nos finais de semana, houve índices acima de 50%.
A proporção foi maior do que nas duas semanas anteriores ao decreto, quando o isolamento, de segunda a sexta-feira, esteve entre 29% e 31%. Naquele período, serviços não essenciais estavam funcionando e o toque de recolher valia das 23h às 5h.