“No dia das eleições (15 de novembro), meu sogro (Elmir Port) apresentou um pouco de febre. Eu brinquei que deveria cuidar porque poderia ser Covid”. Assim começa o relato do empresário rondonense Roberto Afonso Thomé (Beto), proprietário da Activa Corretora de Imóveis, que esteve entre a vida e a morte após ter contraído o coronavírus.
Dois dias depois da brincadeira, ele começava a sentir mal-estar. Nada de febre ou tosse. Mesmo assim, por precaução e recomendação de um amigo, que é médico, procurou um hospital em Toledo no dia 19 de novembro. De lá, saiu apenas com o teste visando identificar se estava ou não com Covid-19, mesmo tendo solicitado uma tomografia.
O empresário chegou a fazer três exames, sendo dois de sangue – todos deram negativo. “Fui percebendo mal-estar, mas nada de febre ou tosse. Também não perdi o paladar ou olfato”, comenta.
No dia 21 daquele mês, um sábado, retornou ao hospital, desta vez em Marechal Cândido Rondon, já com febre e tosse, onde foi medicado e liberado para retornar para casa.
No dia 24 (terça-feira), Beto precisou voltar à unidade hospitalar, pois continuava em estado febril e as tosses eram mais intensas. “Já fiquei no hospital, nem saí mais, porque a oxigenação já estava abaixo de 80%, sendo que deve ficar perto de 100%. Fizeram tomografia e apareceram manchas no pulmão. Depois começou a correria para conseguir UTI”, afirma, segundo o qual, enquanto isso era feito o atendimento possível na instituição rondonense.
Naquele período, o Paraná viu o número de casos de coronavírus aumentar significativamente. Hospitais começaram a ter a ocupação máxima de leitos, inclusive na região Oeste. E isso foi outro motivo de apreensão para a família Thomé. Além de estar com o estado de saúde grave, as vagas de Unidade de Terapia Intensiva (UTIs) em alas Covid estavam todas ocupadas. Por insistência de médicos rondonenses, foi possível conseguir um leito na Clínica Intensicor, que fica anexo ao Hospital Campagnolo, em Toledo.
Esse era o último contato que a esposa Luciara Port (Sara) e as filhas Luana e Julia tiveram com o empresário, pois na UTI da ala Covid não são permitidas visitas. “A partir do momento em que ele foi para o hospital de Toledo perdemos o contato”, expõe Sara. A transferência aconteceu no início de dezembro.
PERDA DA CONSCIÊNCIA
Com a oxigenação baixa, não havia alternativa senão recorrer à ventilação mecânica. Beto relembra o desespero que sentiu naquele momento. “Toda vez que vem a imagem de alguém que está na ventilação mecânica, a impressão que passa é que vai morrer. Esse dia me deu um desespero. O médico e a enfermeira vieram me explicar o procedimento, que precisavam me colocar na ventilação e meu organismo precisava ficar sedado para tentar reagir melhor aos remédios. Deu um desespero e comecei a chorar. Eles pediram que eu ficasse tranquilo, mas não consegui. Fui sedado e só lembro quando acordei na UTI”, relata.
No dia 06 de dezembro foi preciso entubá-lo.
ANGÚSTIA E MEDO
A passagem do empresário pela Unidade de Terapia Intensiva foi marcada por dias bons, em que o quadro apresentava melhoras, e por momentos de muita angústia e medo.
Todos os dias, a família recebia informações do boletim médico e compartilhava em redes sociais, para que amigos acompanhassem a evolução do estado de saúde dele. “Ficávamos ansiosos especialmente das 11 horas em diante, quando ligavam para passar o boletim de saúde. Era angustiante. Tocava o telefone e saíamos correndo. Houve dias bons, dias ruins e dias muito ruins. Nunca sabíamos qual era a notícia que estava por vir”, frisa Sara.
O primeiro baque de dia ruim, comenta, foi a notícia da entubação. “Muita gente chegava para nós e dizia para não deixarmos entubar de jeito algum. Hoje a gente vê que a entubação é necessária. Os médicos nem pedem se queremos ou não (que faça a entubação), simplesmente fazem e nos avisam. E ele precisava disso. Não tinha nem o que questionar”, aponta.
Na opinião dela, os profissionais de saúde têm hoje mais prática para lidar com pacientes que tratam de Covid e, por isso, os tratamentos são melhores. “No início ninguém sabia muita coisa. Pelo que acompanho agora, não vi problemas com as pessoas por conta da entubação. Mas foi o primeiro pico difícil, porque a impressão é que está morrendo. Hoje sabemos que não é isso e se faz necessário para o oxigênio chegar em todas as células do corpo”, menciona.
A suspeita de um acidente vascular cerebral (AVC), em razão do dilatamento da pupila, foi outro motivo de apreensão. “Era um indício, mas não significa que era de fato um AVC. O médico explicou que seria descartado um medicamento, porque aconteceu com vários pacientes (o dilatamento). No outro dia, se a pupila voltasse ao normal, havia grande porcentagem de que não fosse AVC. E realmente foi isso. Porém, o médico não poderia dar garantia naquele momento, porque o Beto estava sem condições de sair da UTI para fazer tomografia”, detalha Sara.
Poucos dias depois, o estado de saúde melhorou e a tomografia foi realizada, cujo exame descartou AVC. “Realmente era do medicamento”, comenta a esposa do rondonense.
ENTRE A VIDA E A MORTE
Pouco mais de 20 dias após ser entubado, o empresário ainda precisaria respirar com ajuda de oxigênio por um período. A alternativa, então, seria fazer a traqueostomia. “Ele estava em um período de pico bom de melhora do quadro de saúde. O médico falou que o Beto entrou com 60% de risco de morte e no Natal foi para 25%”, recorda Sara.
Contudo, ao ser realizado o procedimento, a equipe médica constatou que uma nova infecção acometeu o rondonense. “Foi a pior infecção que deu nele. Ele caiu de novo em relação à melhora do quadro clínico. Teve uma piora e chegou ao nível mais crítico”, afirma a esposa. “Naquele momento, desacreditamos”, confidencia.
O risco de morte era eminente. “Ele estava tendo falência de órgãos. Estava morrendo”, expõe.
Com problema nos rins, precisou ser feita a chamada hemolenta, que tem um diferencial em relação à hemodiálise por ser um processo justamente mais lento. “O corpo dele não ia aguentar fazer a hemodiálise tradicional, porque o organismo estava bem fraco”, explica a filha mais velha, Luana.
Enquanto a família via a saúde de Beto piorar, amigos recomendavam que fosse realizada a transferência do empresário para um centro maior e com mais recursos. “Fomos conversar com o médico intensivista, responsável pela UTI. Precisávamos saber se o hospital tinha todos os recursos que o Beto necessitava, pois se não tivesse gostaríamos de encaminhá-lo para um centro maior. O médico falou três coisas: o hospital tinha todos os recursos que o Beto precisava; o Beto não tinha condições de ser transferido naquele momento; e não teria vaga em outro lugar. Conversamos por mais de uma hora e o médico me deu uma segurança muito grande. Saí mais tranquila”, declara.
Naquele momento, o rondonense retornou ao estágio inicial em que havia dado entrada no hospital, em que o estado era grave, mas não crítico. “Entreguei o Beto nas mãos da equipe médica e nas mãos de Deus”, destaca a esposa.
Aos poucos, ele começou a apresentar melhora. Quase em meados de janeiro foi retirada a sedação e o quadro foi estabilizando.
DE VOLTA PARA CASA
No dia 25 de janeiro, quase dois meses após iniciar a batalha pela vida, Beto deixou a UTI e foi transferido para o quarto, onde permaneceu por uma semana até receber alta hospitalar. Ele retornou para casa no último dia 03. Desde então, faz fisioterapia diariamente e acompanhamento com fonoaudióloga e nutricionista. Além disso, foi contratada uma enfermeira para realizar a troca dos curativos.
Questionado se tem alguma recordação do período em que ficou sedado ou se havia percepção do tempo que tinha passado, o rondonense comenta que levou um susto. “Eu não percebi que tinha passado mais de um mês. Eu não tenho lembrança. No dia em que me colocaram na ventilação até o dia que voltei da UTI, tinha passado em torno de um mês e meio. Quando voltei (a ficar consciente) e falei do aniversário da minha mãe, comentaram que tinha ocorrido em dezembro e estávamos em janeiro. Fiquei uns dois dias até conseguir entender. Para mim, não tinha lógica o que estava acontecendo”, esclarece. “Achei que tinha passado quatro a cinco dias. Não tinha noção do tempo”, complementa.
ESTADO DE SAÚDE
A recuperação total está prevista para ocorrer em cerca de 60 dias, mas a estimativa é que o quadro de saúde restabeleça antes. Durante o período de tratamento, Beto perdeu 22 quilos. Para se locomover, hoje precisa de cadeira de rodas ou dá poucos passos com ajuda de andador.
Aos 47 anos, diz que antes da Covid-19 tinha pressão alta. “Eu tinha receio e falava que se pegasse Covid eu morreria. Tive picos de estresse ano passado, que alteraram muita coisa no organismo. Eu tinha medo da doença e procurava me cuidar. O que posso dizer é que não é brincadeira. Nunca tive problema respiratório e quase morri com insuficiência respiratória. Cada organismo reage de uma forma e não sabemos a dimensão da doença e o que vai causar em cada um. Então é preciso se prevenir, se cuidar”, alerta.
LIÇÃO DE VIDA
O empresário de Marechal Rondon revela qual a visão de vida que tem hoje, após ter contraído Covid-19 e quase ter entrado nas estatísticas de óbito. “Percebi que não preciso nada do que tenho aqui fora, pois nada faz diferença quando vamos parar em um hospital. O que temos aqui fora, se temos muito ou pouco, não muda nada. Hoje percebo que muitas coisas que corria atrás, hoje talvez não preciso me esforçar tanto, pois não preciso daquilo. Menos é mais. Essa é a frase que define. Na UTI, quando já estava consciente, recebia a alimentação pela sonda. A minha vontade era só tomar água. Queria voltar a tomar água. Temos família, amigos, uma casa para morar. Começamos a dar valores diferentes e deixamos de dar valor para outras coisas, supérfluas, que supervalorizava antes”, analisa.
AGRADECIMENTO A DEUS
Esposa, mãe, professora e empresária. Com a voz embargada e muito emocionada, Sara é enfática: só com ajuda de Deus conseguiu dar conta de tudo. Cuidar das filhas, da casa, se colocar a par de toda situação da empresa do marido e, ainda, acompanhar de longe a luta dele pela vida.
Ela, que também teve Covid no mesmo período que o rondonense, enfrentou alguns sintomas, mas não tão graves. “Se eu lembro de dezembro, só chorava. Foi difícil, mas graças a Deus tive minha família, que deu muito apoio, e minhas filhas. Se não fosse por elas e por minha família eu não suportaria. Eu rezava muito e sempre acreditei em Deus. Sempre acreditei que Ele nunca me abandonaria. Agradeço a Ele, porque tenho a capacidade de raciocinar, tive a capacidade de não enlouquecer, porque às vezes nesse momento a gente acaba meio que surtando. Fiquei em isolamento sozinha em casa (quando estava com Covid) e, graças a Deus, Ele me deu sanidade mental para eu ficar sozinha. Não tinha conhecimento de nada da empresa, mas não poderia esperar ninguém trazer as coisas para mim. Tive ajuda de algumas pessoas, mas precisei ir atrás. Quando olho para trás, vejo que dei conta de tudo e não sei explicar como. Mas sei que consegui, graças a Deus e a minha família”, concluiu.