O governador Ratinho Junior (PSD) assinou carta com outros 15 governadores criticando a postura do governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) de atacar os governos estaduais pelas medidas de restrição à circulação para tentar combater o crescimento dos casos de Covid-19 no país. É a primeira vez que Ratinho Jr confronta Bolsonaro publicamente ao lado de outros governadores. Até então, o paranaense evitava críticas ao governo federal, alegando não querer “politizar” a pandemia.
Na carta, os governadores criticam a atitude do governo federal de usar dinheiro público “a fim de produzir informação distorcida, gerar interpretações equivocadas e atacar governos locais”. As afirmações são uma reação ao movimento feito no fim de semana por Bolsonaro, que passou a divulgar em público e nas suas redes sociais que a União repassava bilhões aos Estados para que reduzissem os efeitos da pandemia do coronavírus. Isso também foi reproduzido nas redes sociais da Secretaria Especial de Comunicação (Secom) do governo.
Além de Ratinho Jr, assinam o manifesto os governadores Renan Filho (Alagoas), Waldez Góes (Amapá), Camilo Santana (Ceará), Renato Casagrande (Espírito Santo), Ronaldo Caiado (Goiás), Flávio Dino (Maranhão), Helder Barbalho (Pará), João Azevêdo (Paraíba), Paulo Câmara (Pernambuco), Wellington Dias (Piauí), Cláudio Castro (Rio de Janeiro), Fátima Bezerra (Rio Grande do Norte), Eduardo Leite (Rio Grande do Sul), João Dória (São Paulo) e Belivaldo Chagas (Sergipe).
Os governadores se irritaram porque a maior parte desses recursos são repasses obrigatórios e regularmente já previstos pela Constituição, não se tratando de um gesto do presidente para conter os problemas da pandemia. Para o grupo, Bolsonaro decidiu tentar repassar para o colo dos governadores a conta política pela disparada no aumento dos casos de coronavírus.
Na nota, os governadores dizem que o governo parece “priorizar a criação de confrontos”. “Os governadores dos Estados abaixo assinados manifestam preocupação em face da utilização, pelo Governo Federal, de instrumentos de comunicação oficial, custeados por dinheiro público, a fim de produzir informação distorcida, gerar interpretações equivocadas e atacar governos locais. Em meio a uma pandemia de proporção talvez inédita na história, agravada por uma contundente crise econômica e social, o Governo Federal parece priorizar a criação de confrontos, a construção de imagens maniqueístas e o enfraquecimento da cooperação federativa essencial aos interesses da população”, diz o texto.
“A Constituição Brasileira, Carta maior de nossa sociedade e nossa democracia, estabelece receitas e obrigações para todos os Entes Federados, tal como é feito em qualquer federação organizada do mundo. No modelo federativo brasileiro, boa parte dos impostos federais (como o Imposto de Renda pago por cidadãos e empresas) pertence aos Estados e Municípios, da mesma forma que boa parte dos impostos estaduais (como o ICMS e o IPVA) pertence aos Municípios. Em nenhum desses casos a distribuição tributária se deve a um favor dos ocupantes dos cargos de chefe do respectivo Poder Executivo, e sim a expresso mandamento constitucional”, acrescenta a nota.
“Nesse sentido, a postagem hoje veiculada nas redes sociais da União e do Presidente da República contabiliza majoritariamente os valores pertencentes por obrigação constitucional aos Estados e Municípios, como os relativos ao FPE, FPM, FUNDEB, SUS, royalties, tratando-os como uma concessão política do atual Governo Federal. Situação absurda similar seria se cada Governador publicasse valores de ICMS e IPVA pertencentes a cada cidade, tratando-os como uma aplicação de recursos nos Municípios a critério de decisão individual”.
Os governadores reclamam que o dinheiro repassado pelo auxílio emergencial também entra no bolo dessa ajuda. “São mencionados também os valores repassados aos brasileiros para o auxílio emergencial, iniciativa do Congresso Nacional, a qual foi indispensável para evitar a fome de milhões de pessoas. Suspensões de pagamentos de dívida federal por acordos e decisões judiciais muito anteriores à COVID-19, e em nada relacionadas à pandemia, são ali também listadas. Já as reposições das perdas de arrecadação estadual e municipal, iniciativas também lideradas pelo Congresso Nacional, foram amplamente praticadas em outros países, pelo simples fato de que apenas o Governo Federal apresenta meios de extensão extraordinária de seu orçamento pela via da dívida pública ou dos mecanismos monetários e, sem esses suportes, as atividades corriqueiras dos Estados e Municípios (como educação, segurança, estruturas de atendimento da saúde, justiça, entre outras) ficariam inviabilizadas”, afirma a nota.
No documento, o grupo cobra a distorção da conta feita pelo presidente, que diz ter repassado R$ 837,4 bilhões para os Estados. “Adotando o padrão de comportamento do Presidente da República, caberia aos Estados esclarecer à população que o total dos impostos federais pagos pelos cidadãos e pelas empresas de todos Estados, em 2020, somou R$ 1,479 trilhão. Se os valores totais, conforme postado hoje, somam R$ 837,4 bilhões, pergunta-se: onde foram parar os outros R$ 642 bilhões que cidadãos de cada cidade e cada Estado brasileiro pagaram à União em 2020?”, cobram.
E os governadores insistem na critica mais forte ao presidente, reclamando que ele aposta “na promoção do conflito”. “Mas a resposta a essa última pergunta não é o que se quer. E sim o entendimento de que a linha da má informação e da promoção do conflito entre os governantes em nada combaterá a pandemia, e muito menos permitirá um caminho de progresso para o País. A contenção de aglomerações – preservando ao máximo a atividade econômica, o respeito à ciência e a agilidade na vacinação – constituem o cardápio que deveria estar sendo praticado de forma coordenada pela União na medida em que promove a proteção à vida, o primeiro direito universal de cada ser humano. É nessa direção que nossos esforços e energia devem estar dedicados”, encerra o texto.